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Arquiteto Urbanista e Jornalista, premiado como artista visual, animador, roteirista, quadrinista, bonequeiro e gestor social.
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    Biriba: à memória de um palhaço

    Admiro o palhaço Biriba pela intensidade de sua atuação em anos que se perderam na memória. Sua tenda de circo era a grande tela, ele era o showbizz. Como editor, pude homenageá-lo em uma das coletâneas RPHQ, mas ainda não o conhecia pessoalmente. Numa grata coincidência, nos encontramos na redação da revista Revide e comemoramos. Quando a jornalista Carla Mimesse me convidou a participar da série de bate-papos que a revista promoveu, escolhi meu ídolo como convidado e essa foi uma das entrevistas mais emocionantes que já fiz. Hoje, ele vive a Luz e nós, o seu exemplo.

    (Entrevista originalmente veiculada em formato impresso na Revista Revide, ainda disponível nesse link. Fotos de Julio Sian)

    Sentados lado a lado, dois homens que têm a arte nas veias: à esquerda, Carlos Antônio Spindola, o palhaço Biriba; à direita o ilustrador e quadrinista Carlos Alberto Cordeiro de Sá Filho. Uma conversa animada, baseada na memória de Carlos Antônio, fez a repórter Carla Mimessi, mera espectadora, lançar-se em uma viagem fascinante ao mundo circense, em uma época em que a chegada de um circo mobilizava a cidade.

    Ativo aos 85 anos, desde 1947, Carlos Antônio teve sua vida permeada pelo circo: aos 18 anos, saiu da casa dos pais, em Santa Bárbara D’oeste, para seguir viagem com um circo que ali havia acabado de fechar a temporada. A partir de então, foi galã de circo-teatro, ensaiador e caça-talentos, ramo no qual ficou conhecido por atrair para os seus espetáculos os artistas que acabavam de despontar nas rádios. Nesse período, o acesso do grande público do interior aos artistas de sucesso ocorria nas arquibancadas dos circos, onde também havia teatro e números musicais. Era a época de ouro!

    Depois de passar por diversos circos, decidiu ter seu próprio negócio, em sociedade com o cunhado, mas, por não ter dinheiro para contratar um palhaço, o artista que mais atraía as multidões, Carlos Antônio acabou vestindo a fantasia e se transformando no Biriba. Conduzido por Cordeiro de Sá, o palhaço resgata sua própria história que, ao longo de décadas, levou gargalhadas e diversão a milhares de brasileiros.

    Da esquerda para a direita, eu, Carla Mimessi e
    Carlos Antônio Spindola, o Biriba , durante a entrevista na Cidade do Circo

    O senhor não vem de família circense. Como foi o começo de tudo?

    Nasci em Santa Bárbara do Oeste, meu pai era conhecido como Spinola e minha mãe como Murbach. Lá, só era possível cursar até o quarto ano e meus pais me mandaram para a casa da minha avó, em São Paulo, para fazer o curso de admissão e, depois, o colégio. Acabei conhecendo o pai de Cassiano Gabus Mendes, o Otávio, que tinha um programa de auditório na Rádio Tupi. Comecei a deixar a escola de lado e passei a frequentar os programas de rádio. Ali conheci Hebe Camargo, Lolita Rodrigues, Wilma Bentivegna, sempre nos bastidores. Em 1945, conheci a primeira caipira do rádio, Chica Pelanca. No programa dela, quem fizesse a ela a declaração de amor mais bonita ganhava um pacote de cigarros. Fiz a declaração em tom de gozação e ganhei o prêmio. Como o próximo programa estava meio xoxo, o diretor pediu para o Otávio me mandar declarar de novo, com outra voz, e ganhei mais um pacote de cigarros. Cada vez que eu ia, declarava-me com uma voz diferente. Cansei de ganhar pacote de cigarros. Até o dia em que minha mãe passou um telegrama para a minha avó perguntando como eu estava nos estudos e ela respondeu que não sabia porque eu não saía da rádio. Minha mãe me buscou e me levou de volta para Santa Bárbara para ajudar meu pai. Só que chegou um circo na cidade e fiquei amigo do pessoal. O galã ia embora para outro circo e o dono perguntou se eu não queria fazer um teste para assumir o lugar dele  no teatro. Fui aprovado no teste.

    Pelo que parece, “fugir” com o circo não foi tão simples assim…

    Meu pai tinha me arranjado um emprego onde eu ganharia Cr$ 380,00 e o pessoal do circo me ofereceu Cr$ 600,00. Mesmo assim, quando contei que queria ir com o circo, meu pai disse: “de jeito nenhum”. Conversei com minha mãe, disse que voltaria em um mês. Esse mês durou 60 anos. Meu pai ficou 11 anos sem falar comigo. Eu me casei com a sobrinha do dono do circo, em Itatiba, em 1948. Ninguém da família foi ao meu casamento, nem minha mãe, coitada. Meu pai não deixou. Quando já estava bem no circo, nasceu meu filho, Leopoldo. Decidi batizá-lo na minha terra, e fomos para lá com um carro zero muito bonito que eu tinha comprado. Nesse dia, meu pai falou comigo e carregou meu filho no colo. Dali em diante, aceitou minha vida de circo porque viu que eu estava ganhando bem, tinha família feita e até casa própria.

    Mais tarde, o senhor abriu o seu próprio negócio. Conte um pouco sobre isso, por favor.

    Tinha muita facilidade em fazer e dirigir teatro. Na época, chamavam o diretor de “ensaiador de teatro”. De todo circo que surgia, tornava-me ensaiador, trabalhei em uns 10 circos. Cada um oferecia um ordenado melhor, até que, em 1954, um tio da minha mulher que tinha só o picadeiro me chamou para ajudar. Quando o circo chegou a Capivari, minha mulher perguntou por que, ao invés de agradar ao pessoal do circo, não montávamos um para nós. O meu concunhado, que era artista do ramo, topou. Fiquei na cidade para montar o “Circo César”, nome do meu sobrinho. Fui para São Paulo preparar toda a documentação e procurar um palhaço, mas palhaço bom era muito caro.

    Por que deveria ser quem mais atraía público para o circo, não?

    O palhaço era primordial para o circo. Em Santos, tinha uma deputada que sentava no camarote para assistir ao espetáculo. Ela ficava lendo livro, enquanto os artistas faziam seus números. Quando o palhaço Chique-Chique entrava no picadeiro, ela fechava o livro e ficava assistindo; quando ele acabava de se apresentar, ela abria o livro de novo. Os artistas ficavam loucos da vida. Fui ajudante do Chique-Chique e pensei muito nele quando decidi ser palhaço.

    Como, enfim, nasceu o Biriba?

    Como todo palhaço era caro, meu cunhado me disse que eu conhecia teatro e me incentivou a vestir a fantasia. Virei palhaço, mas não tinha nome. Vi que ia ser lançada uma revista chamada Biriba. Em todos os muros estava escrito: “Aguarde: Biriba”, “Vem aí: Biriba”. O nome estava pronto. Quando o carro anunciava que o Circo César iria apresentar o palhaço Biriba, o circo lotava. Em toda cidade onde chegávamos, a propaganda estava feita. Depois do lançamento, sugeriram que eu deveria pegar algum dinheiro do pessoal da revista, já que haviam roubado o meu nome! Eu falei: “Ah, coitados, deixa eles…”

    Um ponto que chama bastante a atenção e que seria bom entender: por que o estilo de maquiagem do Biriba é diferente?

    Quando assistia à apresentação de outros palhaços, percebia que, quando estavam no picadeiro, as crianças riam, mas quando se aproximavam, elas se assustavam por causa da pintura muito forte e da cabeleira grande. Quando decidi ser palhaço, resolvi não usar essa pintura, a cabeleira, nem a mandioca, aquela bengala comprida. Fiz uma pintura suave, sem nariz vermelho, entrei no picadeiro e as crianças começaram a rir. Aproximei-me de uma criança e ela continuou rindo. Peguei-a no colo e ela continuou rindo. Foi assim que descobri o meu tipo de palhaço.

    Sua preocupação com o público é notória. As diferenças não paravam por aí, certo?

    Nunca gostei de palavrões. Certa vez, os seminaristas dos Estigmatinos iam fazer um espetáculo e pediram ao radialista Wilson Gasparini, que comandava um programa infantil do qual fui o palhaço, que me apresentasse com eles. Na primeira fila, estava um homem que eu não conhecia. No final, ele me cumprimentou e disse: “Biriba, hoje eu sei por que o povo de Ribeirão Preto te adora: você conta a piada e não diz um palavrão e nem faz um gesto imoral”. Era nada mais, nada menos, que Dom Agnelo Rossi, arcebispo metropolitano de Ribeirão Preto.

    Página integrante da Coletânea RPHQ2, escrita por Ferreira Júnior e quadrinizada por Saulo Michelin em homenagem ao palhaço Biriba e à elefanta Maison

    Nessa época, a Igreja não aprovava muito os circos, não é verdade? 

    A maioria dos circos era vista como imoral, mas o nosso não era. Em uma cidadezinha, o sacristão me contou que o padre queria ver o espetáculo, mas não podia, pois as beatas poderiam pensar mal dele. Então, fizemos uma surpresa: fui com meus artistas para um lugar embaixo do salão paroquial e nos apresentamos para o padre. No dia seguinte, falou bem do circo para todo mundo.

    Fazer de tudo para agradar o público acabou, também, o colocando em situações inusitadas.  Como foi aquela história que ocorreu em Bastos?

    Todo palhaço toca um instrumento: o Piolim tocava trombone, o Arrelia tocava flauta e violino, e eu não tocava nada. Então, tornei-me um palhaço cantor. Em um número, ia até um canto do picadeiro e começava a cantar em inglês. O escada vinha e falava: “Aqui você não pode cantar!”. Eu ia a outro canto e começava a cantar em espanhol, o cara, de novo, me impedia de cantar; eu ia a outro canto e cantava em italiano, em alemão e assim por diante. Em Bastos tinha muito japonês. Depois do espetáculo, apareceu um fiscal no hotel e disse que o prefeito queria que eu fosse à casa dele. Queria saber por que eu não tinha cantado nenhuma música no idioma japonês. Eu respondi que não sabia. Então, ele chamou a filha, que tocava piano, e pediu que ela me ensinasse uma música em japonês. Depois de aprender, eu perguntei se ela não poderia me ensinar uma canção de ninar. Na hora do espetáculo, combinei com o meu ajudante: quando eu começasse a cantar em japonês, era para ele me deixar cantar a música inteira. Cantei a primeira música e a plateia veio a baixo. Depois, disse que ia dedicar uma música às mamães, e cantei a canção de ninar. As mães começaram a chorar. No dia seguinte, tive até que me esconder porque todo mundo queria conversar com o palhaço que sabia falar japonês, mas eu não sabia, só cantava aquilo. Não via a hora do circo ir embora!

    Apesar das saias justas, houve momentos de grande emoção em sua carreira. Tudo pelas crianças, não é?

    Sim. Em toda temporada, a renda de uma apresentação era toda do palhaço. Nesse dia, eu fazia o “Casamento do Biriba”, um número em que vários convidados comiam um bolo que minha mulher fazia. Depois do espetáculo, eu estava na carreta me preparando para deitar e bateram à porta. Era um senhor com uma criança de mais ou menos seis anos no colo, que chorava sem parar. O pai me falou: “Por favor, seu Biriba, ele quer comer o bolo do seu casamento”. Entrei na carreta, vesti a roupa de palhaço, peguei um pedaço de bolo que tinha sobrado, agarrei o menino no colo e comemos o bolo. Ele ficou feliz. Coisa mais linda! Naquela hora, senti o quanto o palhaço Biriba era bom para as crianças. Em 1962, quando passei a fazer o programa de rádio da PRA-7, comecei a receber muitos convites para me apresentar em hospitais. Eu ia de palhaço visitar e brincar com as crianças. Isso me marcou muito. No Hospital Santa Lídia, existia um setor só de crianças vítimas de queimadura e de doenças graves. Cantava com elas, elas riam de mim. Quando eu ia embora, saía chorando porque via aquelas crianças rindo e, por dentro, pensava: “Meu Deus, elas não sabem o que o destino reserva para elas”.

    Da esquerda para a direita, de cima para baixo, Arnaldinho, Dan Madeiros, Willy Peres, Dud,
    Carlos Spindola e Cordeiro de Sá, no encontro imprevisto na redação da revista Revide.

    Com tantas histórias, como se fixou em Ribeirão Preto?

    Quando chegava a uma cidade, já perguntava às pessoas quais artistas de sucesso queriam ver. Como tinha muitos amigos do rádio, eu ia para São Paulo, encontrava o artista e o circo lotava. Em 1957, o José Veloni, ex-vereador de Ribeirão Preto, foi visitar o prefeito de Orlândia, que o convidou para ir ao circo. Quando o espetáculo acabou, eles vieram nos cumprimentar e o Veloni me perguntou se meu circo iria para Ribeirão Preto. Disse que não dava, que a cidade era muito para nós. Se chovesse, não tinha como eu fazer espetáculo, pois meu circo era coberto de algodãozinho, não de lona. Duas semanas mais tarde, visitei o Veloni na Câmara de Ribeirão Preto e ele me levou para o gabinete do prefeito Costábile Romano. Entramos e o vereador falou para o prefeito que eu era o moço que ele havia comentado, que dominava a plateia e que traria o show que quisesse para a cidade. O Costábile chamou um fiscal e pediu que ele me levasse para ver um terreno nos Campos Elíseos. Percebi, então, que estava tudo preparado para me trazer e decidi vir.

    Soube que seu Circo nunca teve animais, apesar da famosa elefanta Maison. Como eram os espetáculos?

    Nunca tivemos bichos. Era muito caro e complicado. A elefanta Maison já era do circo do meu sobrinho e, para ser treinada, chamamos um especialista do Sri Lanka, conhecido como Capitão Pires, que adestrava sem judiar, sem bater, só com palavras. Tínhamos os números clássicos de circo, depois, o Globo da Morte e tudo. Mas meu circo era de teatro, fizemos muitas peças, comédias, dramas, inclusive “O morro dos ventos uivantes”, a que mais gostei de fazer.

    Seu circo era um canal importante para cantores populares e o Biriba chegou a revelar talentos, não é?

    Tinha muitos amigos do rádio em São Paulo e em Ribeirão Preto. Conseguia trazer o artista da Capital com a promessa de abrir as portas do interior. Trouxe a dupla Alvarenga e Ranchinho com a promessa de que os levaria às rádios locais para fazer a promoção da música “Romance de uma caveira”, um sucesso! Não tinha circo para tanta gente. Fizemos duas sessões. Trouxe Teixeirinha, Silvio Caldas, Cauby Peixoto, Vicente Celestino, Orlando Silva, até o Chitãozinho e o Xororó. Na Vila Tibério, fiz um concurso local de calouros de dupla caipira. Os ganhadores foram Maurinho e Toninho, que cantaram “A Caneta e a Enxada”. O Barrinha, que estava assistindo ao espetáculo, levou os dois para tocarem na Rádio América. Mais tarde, em 1962 ou 1963, o circo estava em Santa Cruz do José Jacques e só se falava na música “Como eu Chorei”. Fui a São Paulo para contratar a dupla. Na hora em que cheguei, eles até riram da minha cara de espanto: a dupla era Maurinho e Toninho com outro nome — Lourenço & Lourival. Você acredita?

    Alguma vez pensou em parar de trabalhar no circo?

    Em 1983, quando nasceu a minha neta. Eu tinha um terreno de esquina, muito grande, na Avenida Treze de Maio, e minha intenção era fazer um prédio de três andares: um pra mim, um para o meu filho e outro para o meu filho de criação, o Peruquinha. Um dia, vi a plaina trabalhando no meu terreno e soube que lá seria feito um jardim. Fui falar com o prefeito, o Duarte Nogueira. Ele disse que tinha desapropriado o terreno depois de tentar localizar o dono durante meses pelo jornal, e que o dinheiro já estava à disposição na Caixa Econômica. Com o dinheiro, deu para comprar uma casa no Jardim Independência. Hoje, aquele terreno deve valer um milhão. Não vi o aviso porque viajava muito com o circo. Mas eu não dou conta. Até hoje, depois de aposentado, faço apresentações.

    Como analisa o cenário circense em Ribeirão Preto, hoje?

    A cidade estava carente de um grande circo. O Tihany  Espetacular trouxe de volta o glamour da arte circense, resgatou a vontade de ver o circo, tanto que todas as noites de espetáculo lotaram. Em 1963, o Tihany me convidou para ser palhaço no circo dele. Eu não quis deixar Ribeirão Preto, mas ficamos amigos. O espetáculo é maravilhoso! Eu estou feliz porque o povo estava perdendo de vista o glamour do circo. Ninguém vai esquecer o meu circo de teatro. Levei teatro de boa qualidade, por mais de 50 anos, a todos os bairros de Ribeirão Preto. Agora, o Tihany trouxe para a cidade o teatro de variedades. O próximo circo que vier a Ribeirão Preto vai ter que rebolar. O único circo que tem alguma chance de concorrer, mexendo numa coisinha aqui, noutra ali, é o Circo Kronner (nome atual do antigo Circo Biriba).

    Biriba foi uma das pessoas mais sensíveis que conheci, um artista verdadeiramente empreendedor que, sem perder seus valores, viveu o sucesso com a simplicidade do grande homem que é. Se nos esquecemos de quão importantes foram os circos para a dinâmica cultural do interior, é hora de lembrar. Agradeço de coração á revista Revide e à Carla Mimesse pela oportunidade de me aproximar de um homem tão grandioso.

    Leia a HQ: https://issuu.com/rphq/docs/coletanea_rphq_2

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    Cordeiro de Sá